Um artigo que analisa a importância da comunicação entre pacientes, familiares e profissionais de saúde no final da vida.
Artigo da Dra. Lida Ordoñez, Médica de Família e Coordenadora da Unidade de Cuidados Paliativos do Instituto Psiquiátrico Sagrado Corazón, Quito – Equador.
No ocaso da vida, cada experiência humana é diferente. A morte não é um fracasso, faz parte da vida; é um acontecimento que deve ser vivido. Nenhum ser humano deve ver-se privado do direito a viver com dignidade a sua própria morte, mesmo quando a expectativa de tratamento não é a cura, como no caso daqueles que precisam de cuidados paliativos, prestados de forma integral, ativa e contínua aos doentes e suas famílias, por uma equipa interdisciplinar devidamente habilitada. O objetivo do tratamento não consiste em prolongar a vida, mas em melhorar, tanto quanto possível, as condições em que o doente e a família se encontram num determinado momento, respondendo às suas necessidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais, incluindo o processo de elaboração do luto.
No fim da vida, assumem um valor muito especial a empatia, o tato, o afeto e em particular a comunicação entre doentes, familiares e profissionais de saúde, ou seja, a hospitalidade e o acolhimento que o pessoal de saúde pode oferecer.
Os doentes, nos últimos dias e momentos da sua vida, podem experimentar dores físicas, sofrimento emocional, espiritual e social. Nesta fase, precisam de uma gestão cuidadosa dos sintomas e, à medida que a morte se aproxima, as famílias podem necessitar de receber apoio e formação, incluindo o acompanhamento durante a notificação de morte e o apoio em caso de luto.
A comunicação sobre o estado do doente, o prognóstico e os tratamentos aplicados são aspetos fundamentais que influenciam a qualidade da assistência recebida pelos doentes. Uma informação adequada e honesta permite que eles e as suas famílias participem nos processos de tomada de decisão acerca dos cuidados necessários na fase terminal da vida. Além disso, a incerteza sobre a morte experimentada pelos doentes e suas famílias diminui quando eles podem manifestar aos profissionais de saúde os seus receios e temores.
O direito que as pessoas têm a receber informação sobre o seu estado de saúde e a participar nos processos de tomada de decisões no final da vida são amplamente reconhecidos por diferentes organismos nacionais e internacionais. No entanto, apesar das determinações legais, muitos profissionais de saúde continuam a evitar fornecer uma informação suficiente aos doentes e seus familiares sobre o processo da morte, o que, aliás, ajudaria no momento de tomar decisões. Por vezes, verifica-se uma “conspiração”, ou “pacto de silêncio”, em que os familiares, os prestadores de cuidados e os profissionais de saúde ocultam informações ao doente.
Os profissionais de saúde têm dúvidas e incertezas sobre como fornecer informações rigorosas aos doentes devido ao receio de os prejudicar e a possíveis consequências jurídicas. Quando os profissionais de saúde sentem que lhes falta formação ou que não têm competências específicas para gerir situações na fase terminal da vida das pessoas pode estar em causa a qualidade da assistência recebida pelos doentes. Por outro lado, muitos doentes e familiares sentem que não estão informados e não podem participar nas decisões que são tomadas relativamente aos cuidados necessários no seu caso. Quando são informados, a atitude é muitas vezes diferente: os doentes podem rejeitar ou evitar a informação e os familiares podem manter uma atitude de proteção em relação ao doente, para que este não sofra.
As consequências de uma comunicação e informação inadequadas são frequentemente negativas e resultam num sentimento de isolamento por parte do doente, numa certa angústia nos familiares ou em insatisfação relativamente à assistência recebida.
Cuidar dos doentes na fase terminal da vida é uma tarefa desafiante que requer não só ter em consideração o doente como um todo, mas também a compreensão das circunstâncias familiares, sociais, legais, económicas e institucionais que envolvem a sua assistência. Infelizmente, existem muitos mitos e conceitos errados sobre o que pode, ou não, ser ético e legal neste contexto.
O medo do litígio pode levar a intervenções desnecessárias ou impedir os médicos de atuar de uma forma completamente ética quando confrontados com alguém que tenha uma doença potencialmente mortal. Um estudo revelou que até 93% dos médicos de especialidades médicas de alto risco (ou seja, medicina de emergência, cirurgia geral, cirurgia ortopédica, neurocirurgia, obstetrícia/ginecologia e radiologia) declaram praticar medicina defensiva, realizando testes para além do que é considerado clinicamente necessário.
Agir fora da lei pode ter consequências graves, tanto para o doente como para o médico. As consequências negativas para os doentes incluem receber um tratamento indesejado ou não receber o tratamento pretendido. Ambos os cenários poderiam implicar sanções civis e penais para os médicos. É importante notar que a ausência de uma autorização legal explícita para um determinado ato médico não significa que esse ato esteja proibido. A medicina continua a ser uma profissão largamente autorregulada. Há comparativamente mais leis relativas à assistência médica na fase terminal da vida do que para outras atuações médicas. No entanto, a lei não abrange, nem pode abranger, diretamente, todas as intervenções e procedimentos.
Uma compreensão dos aspetos legais da assistência na fase final da vida deve dar aos médicos que atuam no terreno a confiança e a liberdade de agirem de forma ética e razoável. Em caso de dúvida, devem solicitar o parecer de uma Comissão de Ética e procurar assessoria jurídica ou assistência na gestão de riscos.
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