O Acompanhamento no luto – Percurso e Particularidades Irmãs Hospitaleiras, Casa de Saúde da Idanha
O programa de intervenção em contextos de luto das Irmãs Hospitaleiras, na Casa de Saúde da Idanha, surgiu com o reconhecimento de que a perda de quem amamos representa um acontecimento único na experiência humana. Apesar de universal (todos perdemos ou perderemos pessoas) a perda de alguém significativo – pela sua morte – é vivida de forma absolutamente singular, pautada por sofrimento que só cada enlutado pode nomear. A vivência do luto não tem tempo, mas tem lugar e propósito: organizar o mundo interno e externo que fica absolutamente diferente com a ausência de quem amamos. Neste sentido, o processo de luto pode evocar dúvidas, criar receios, provocar rutura com as rotinas do quotidiano, ter várias implicações na saúde física e mental e pode ser um período de difícil adaptação a uma nova realidade sem o ente querido.
Perante estas consequências, importa que as equipas prestadoras de cuidados estejam sensibilizadas e demonstrem competências no acompanhamento aos familiares enlutados das pessoas que estiveram aos seus cuidados. Assim, a Casa de Saúde da Idanha das Irmãs Hospitaleiras, construiu um programa de acompanhamento às pessoas que perderam alguém durante o internamento, com o objetivo de facilitar a vivência do seu luto. Este programa nasceu na unidade de cuidados paliativos de forma natural, perante os objetivos e filosofia desta tipologia de cuidados. Mais tarde, o programa foi estendido a todas as unidades de internamento e residências, por acreditarmos que os cuidados não se esgotam com a morte do utente, mas prolongam-se no apoio prestado aos familiares, preservando laços terapêuticos (e sobretudo humanos) com as pessoas que são acolhidas na instituição.
A lógica da intervenção neste contexto é de acompanhar a pessoa no luto, no seu processo de adaptação à perda, que se inicia antes da morte ocorrer. Em cuidados paliativos, perante a gravidade e prognóstico da doença, a morte é quase sempre esperada. Durante este período de doença grave, os familiares podem prever que a morte acontecerá mais ou menos brevemente enquanto lidam com as perdas que surgem durante este tempo. A perda da autonomia, a perda da capacidade de comunicar verbalmente, as alterações da imagem corporal, a mudança de papéis sociais e familiares, enquadram perdas simbólicas que suscitam a antecipação da morte e que definem o luto antecipatório.
A par desta realidade, a necessidade de tomadas de decisão e os dilemas com os quais os familiares se deparam ao longo do processo de doença, podem acrescer sofrimento que merece ser olhado e acompanhado atempadamente e que influi na vivência do luto.
Neste tempo, os profissionais de saúde facilitam esta vivência, ajudando os familiares a integrar a experiência, através de uma intervenção sistematizada, multidisciplinar e fundamentalmente humanista e existencial. A equipa dinamizadora do programa é constituída por uma psicóloga clínica e um enfermeiro especialista em saúde mental, ambos com formação especializada em luto, que avaliam cada caso e detalham o plano individual de intervenção neste contexto que é partilhado e atualizado com toda a equipa multidisciplinar.
Nesta fase de luto antecipatório, há a oportunidade de se criar um lugar e um tempo para a despedida entre as pessoas que, em muitos casos, tem um impacto positivo na vivência do luto. Um plano de cuidados multidisciplinar específico no luto antecipatório de cada contexto familiar faz a diferença na vida das pessoas, mediando formas de luto complicado.
Assim, privilegiamos as visitas e a presença regular dos familiares aos utentes internados, encorajando a participação nos cuidados após uma avaliação cuidada e rigorosa do benefício para o utente e familiar destas atividades. Também são trabalhadas as questões que acrescem sofrimento em cada caso particular. Desta forma, o acompanhamento psicoterapêutico durante esta fase também é extremamente relevante de forma a intervir atempadamente nos fatores de risco que podem representar dificuldades futuras na vivência do luto após a morte do utente.
Ao mesmo tempo, também o próprio doente vai sentindo as alterações impostas pela doença e vai elaborando o seu luto preparatório, confrontando-se com a sua finitude muitas vezes levando-o a rever a sua vida e resignificar a experiência atual. Após a morte, os sobreviventes vivem a sua experiência de perda de uma forma absolutamente singular pelo que importa que a equipa de saúde demonstre disponibilidade em estar presente neste processo. Neste sentido, quando a morte acontece, a equipa informa os familiares que permanecemos no mesmo lugar, disponíveis para ajudar no que acharem pertinente. Os familiares são informados da intenção da equipa em contactá-los telefonicamente passados, sensivelmente, dois meses após a morte. Até então, a equipa endereça uma carta personalizada que é escrita a pensar na pessoa que faleceu e na sua história, onde é expressa a empatia e o respeito pela sua perda, mas também alguns apontamentos psicoeducativos que pretendem alertar para sinais de sofrimento que podem merecer outra atenção. Nesta carta, também é anunciado que será realizado um contacto telefónico em breve, mas que a equipa está disponível para acolher a pessoa enlutada antes, se esta considerar necessário.
O contacto telefónico serve sobretudo para realizar uma entrevista clínica de forma a avaliar manifestações de luto que podem predizer formas de luto complicado que traduzem sofrimento importante, merecendo atenção clínica especializada. Durante estes telefonemas as pessoas conversam livremente com o profissional de saúde de onde se extraem dados clínicos relevantes sobre a forma como a pessoa está a viver a sua perda.
Estes dados determinam o nível de acompanhamento que o profissional deve realizar, em função da necessidade, do desejo e disponibilidade da pessoa. Assim, é possível agendar um novo contacto caso a situação justifique, agendar uma consulta presencial com algum profissional de saúde em específico para esclarecer alguma dúvida que tenha ficado no decorrer do internamento, referenciar para a consulta especializada de luto e/ou para outros recursos da comunidade que existem disponíveis para estes contextos específicos. Sobretudo, é possível ajudar o outro em função das suas necessidades na vivência da sua perda.
Destacamos a extrema importância da formação específica nesta área pelo que, na Casa de Saúde da Idanha, o grupo de trabalho deste programa de intervenção, atualiza regularmente os seus conhecimentos com formações em contextos de trabalho, com o objetivo de adequar a intervenção técnica, científica e humana, às necessidades de ajuda das pessoas que vamos conhecendo no decorrer dos nossos cuidados.
Este programa de intervenção não teria lugar se não fosse norteado pelos valores hospitaleiros, onde nos revemos nas palavras de S. Bento Menni: “Fazer o Bem, bem feito”.
Dra. Silvia Noné
Enfº Ricardo Fernandes
Quarta, 21 de Julho de 2021