Hoje, no Dia Internacional da Esquizofrenia, partilhamos uma entrevista com o psiquiatra Dr. Patrício Manuel da Silva Ferreira, das Irmãs Hospitaleiras de Braga, que fala sobre esta doença que afeta 24 milhões de pessoas no mundo: a esquizofrenia.
1. Quais são os principais sintomas da esquizofrenia?
Considerada a doença mais aterradora da psiquiatria, esta pode ter uma apresentação muito polimorfa . Foi o trabalho de Emil Kraepelin que agrupou uma série de quadros clínicos descritos anteriormente e que percebeu que tinham algumas semelhanças: O curso clínico e o prognóstico. Com o início dos sintomas em jovens, os doentes evoluíam de forma deficitária. As primeiras descrições clínicas também foram realizadas numa época em que nenhum tratamento farmacológico existia, fazendo com que os quadros de então eram mais aparatosos e com pior prognóstico do que hoje. Quando se fala em esquizofrenia pensa-se sempre nos delírios e alucinações, mas a verdade é que sendo sintomas facilmente observáveis, são pouco específicos desta doença. São vários os tipos de sintomas desta afecção, desde as alterações do conteúdo ou forma do pensamento, até as alterações da sensopercepção ou alterações motoras ou ainda, e mais difícil de observar, os chamados sintomas “negativos” da esquizofrenia. São exemplos as alterações cognitivas, a perda da capacidade de associação de ideias ou alterações afectivas.
2. Qual é o tratamento mais utilizado para a esquizofrenia e de que forma ajuda os doentes?
Com os estudos feitos ao longo dos anos, percebeu-se a associação da doença com alguns circuitos cerebrais e com alguns neurotransmissores. A Dopamina tem sido o neurotransmissor mais responsável pela doença, parecendo estar aumentada a sua atividade em algumas zonas cerebrais e diminuída noutras, provocando estas desregulações e sintomas.
É aqui que os fármacos têm intervido. São os antipsicóticos os medicamentos usados nesta patologia que veio melhorar muito o prognóstico desta doença, sabendo-se hoje que quando mais cedo forem iniciados no curso da doença, melhor o prognóstico. Também se sabe que quanto menos surtos existirem, melhor a funcionalidade do doente e assim melhor o prognóstico. É neste sentido que se caminhou para assegurar uma melhor adesão aos tratamentos, com surgimento de terapêutica injectável de longa duração. Existem hoje soluções injetáveis, mensais, trimestrais e mais recentemente bi-anuais. Ou seja, com duas tomas num ano é possível manter um doente compensado, com menos crises e necessidade de internamentos.
3. Como é que o carisma hospitaleiro se reflete no tratamento e cuidados prestados aos doentes com esquizofrenia na sua prática clínica diária?
Sendo uma doença grave e que apesar das terapêuticas disponíveis, muitas vezes a evolução não é a melhor, muitos dos pacientes são sujeitos a vários internamentos psiquiátricos e muitas vezes também pelo contexto social, integrados em Internamentos de Evolução Prolongada. As Unidades de Saúde Hospitaleiras passam a ser a sua casa, os seus funcionários transformam-se nas suas companhias diárias. O Carisma Hospitaleiro, presente em quem trata, assegura que à pessoa doente sejam administrados os necessários tratamentos sempre com máxima qualidade, compreensão e respeito pela pessoa, mas fundamentalmente o acolhimento de quem muitas vezes foi excluído da Comunidade e incompreendido na sua patologia.
4. Quais são os maiores desafios para as pessoas com esquizofrenia em termos de integração social e profissional?
Ter uma doença mental diagnosticada é, infelizmente, ainda hoje, uma resistência à normal integração profissional. A sociedade ainda estigmatiza o doente mental. Na doença mental grave como a esquizofrenia, para além do atrás referido, também a própria patologia adquire níveis máximos de impacto na capacidade da pessoa, quer ao nível de competências sociais quer ao nível de capacidade de normal execução de tarefas. É assim o principal desafio reabilitar, capacitar e potenciar o que a pessoa doente ainda é capaz de realizar, funcionando como factor de bom prognóstico que se mantenha ativa e integrada na sociedade.
5. Que papel desempenha o apoio familiar na gestão e tratamento da esquizofrenia? Como pode apoiar alguém que vive com esquizofrenia na sua vida quotidiana?
Pelas características desta afeção e muitas vezes a negação pelo próprio utente da sua doença, é fundamental que a família possa assegurar a toma regular da medicação, sob pena de existirem mais descompensações e consequente maior deterioração funcional. O apoio familiar também é importante no mostrar compreensão e empatia sem cobrar, acusar ou responsabilizar o doente pela sua doença. Apoiar alguém que vive com esquizofrenia é como atrás foi referido, ajudar a potenciar a capacidade remanescente da pessoa doente, compreendendo as suas limitações e comunicando nesse sentido de forma simples e clara.
6. Quais são os mitos mais comuns sobre a esquizofrenia e como podem ser desmistificados?
A principal ideia que passa de forma errada sobre a esquizofrenia é que as pessoas com essa doença são muito perigosas e violentas. Também se associa muito esta patologia à toxicodependência e que é uma doença dessa população adicta.
Desmistificar estes conceitos passa pela psicoeducação mas fundamentalmente pela informação global sobre a doença mental, pois o estigma prevalece muito. Aproximar doentes e sociedade é decisivo para quebrar barreiras e destruir mitos.
7. Qual é a sua principal mensagem para as pessoas que vivem com esquizofrenia e para os seus entes queridos neste Dia Mundial da Consciencialização?
Sendo uma doença grave e sem cura à luz dos conhecimentos médicos atuais, os tratamentos têm evoluído de forma constante e melhorado o prognóstico global desta patologia. Cada vez mais, é possível, o doente com esquizofrenia, ter uma vida próxima do normal, desde que acompanhado e medicado. A reabilitação e integração na comunidade devem ser sempre o objectivo principal.