É aqui que entra o RIPA, sigla para Resposta Integrada para as Perturbações Alimentares, uma abordagem orientada por uma visão inovadora em Portugal.
Não se sabe exatamente quantos são os que, em Portugal, sofrem com distúrbios alimentares, como bulimia ou anorexia, esta que é a única doença psiquiátrica que pode causar diretamente a morte. O que se sabe é que a prevalência destes distúrbios está a crescer, desafiando profissionais de saúde e famílias.
Os dados partilhados num artigo recente, publicado no The Journal of Paediatrics, pelo Grupo de Trabalho sobre Pediatria Social da Associação Europeia de Pediatria, revelam que, entre 2000 e 2018, a sua prevalência na população em geral mais do que duplicou em todo o mundo (passou de 3,4% para 7,8%). Este é um valor que subiu ainda entre 1999 e 2022, período durante o qual a proporção global de crianças e adolescentes com distúrbios alimentares chegou aos 22,36%. E sabe-se também que 10% das pessoas com anorexia morrem nos dez anos seguintes ao diagnóstico, com 20% a perderem a vida ao fim de duas décadas.
Estes dados são reflexo de uma realidade que exige cada vez mais respostas, uma exigência que deve ser proporcional à dimensão do problema. É aqui que entra o RIPA, sigla para Resposta Integrada para as Perturbações Alimentares, uma abordagem orientada por uma visão inovadora em Portugal. Inovadora por ser diferente, mas sobretudo por ir ao encontro das necessidades específicas de quem vive com este problema e que, antes desta resposta, tinha apenas como alternativa o internamento hospitalar ou, nos casos menos graves, consultas médicas.
Neste contexto, recuperar é um verbo que adquire o estatuto de um desafio nem sempre fácil de alcançar. É, sem dúvida, um dos grandes propósitos do projeto, uma palavra que, de resto, todas as pessoas que nele participam conhecem e usam. Mas recuperar significa ganhar peso e é isso que quem vive com anorexia ou bulimia não consegue.
Falamos de um problema que resulta de uma alteração da perceção da imagem corporal, do sentido e do conhecimento do corpo, algo que é impactado pela pressão externa, mas que tem sobretudo a ver com a informação que vem de dentro, que torna a vivência corporal uma vivência de angústia, mal-estar e desconformidade. Logo, a questão fundamental é induzir a mudança sobre como é aceite o corpo e como é vivenciado. Por isso, nesta que é a primeira resposta nacional de Hospital de Dia para este tipo de problemas, o foco não é a alimentação, ainda que esta esteja na base do que é feito. O foco é o corpo, porque é na vivência do mesmo que reside o problema.
E isso faz-se com recurso a uma abordagem mais integrativa, que tem por base um plano individual de intervenção e que integra ações em várias áreas, num formato que permite a frequência das atividades terapêuticas sem quebrar o ciclo da relação social e familiar, porque é para estes que as doentes têm de regressar.
Atualmente com capacidade para grupos até dez pessoas, esta nova abordagem trabalha as emoções na sua essência de relação corporal, tendo como grande objetivo a recuperação do sentido da vida, do gosto em realizar experiências e em estar em relação com os outros.
Um objetivo possível, como mostram os resultados da fase inicial do projeto, que permitiu, ao longo de um ano e meio de atividade, acompanhar 30 mulheres jovens, e que foi capaz, para a esmagadora maioria destas (90%), de prevenir o agravamento e/ou evitar a necessidade de internamento hospitalar. As famílias também não são esquecidas, uma vez que as perturbações alimentares, e em especial a anorexia, são patologias com um impacto devastador na vida familiar, gerando choque e indignação, alguma incompreensão e muito desconhecimento.
Psicomotricidade, expressão artística, ioga, expressão dramática, terapia ocupacional, dieta e nutrição, relaxamento, tai-chi e psicoterapia individual são algumas das atividades que ajudam a estimular o conhecimento do corpo que, juntamente com a interação com um grupo de pares, desafiam medos e exploram vivências. Em vez de tratar apenas os sintomas, pretende-se, assim, procurar a redescoberta do prazer de viver, de existir no próprio corpo. E, assim, contribuir para reconstruir vidas.
Pedro Varandas
Diretor Clínico Irmãs Hospitaleiras Lisboa
Artigo escrito Observador