O projeto ANIMALIS mostra que também se cuida com escuta, toque e presença.

 

INTRODUÇÃO E APRESENTAÇÃO DO PROJETO ANIMALIS

Porquê este projeto?

Num mundo cada vez mais tecnológico e acelerado, é fácil esquecermo-nos do poder transformador que a natureza e os animais podem ter nas nossas vidas. Na Clínica Psiquiátrica de S. José acreditamos que a inovação também pode passar pela humanidade, empatia e abordagens integradas. É neste contexto que apresentamos o projeto ANIMALIS, de Terapia Assistida por Animais em pessoas com Perturbação do Desenvolvimento Intelectual.

O que é a Terapia Assistida por Animais?

A Terapia Assistida por Animais (TAA) consiste na incorporação de um animal como parte integrante do processo terapêutico, sendo que as intervenções são organizadas e supervisionadas por um profissional da área da saúde, com objetivos pré-definidos. A TAA tem sido amplamente estudada e implementada ao longo dos últimos anos, em vários países, em diversos âmbitos, incluindo em populações com deficiência mental grave, demonstrando melhoria comportamental e diminuição das doses de fármacos necessárias. Considerou-se existir pertinência em desenvolver este tipo de intervenção nas Irmãs Hospitaleiras Lisboa – Clínica Psiquiátrica de S. José, na Unidade 6 – S. Bento Menni, uma unidade de longa duração destinada a portadoras de perturbação do desenvolvimento intelectual moderada a profunda, composta por 30 pessoas assistidas do sexo feminino.

O que é o Projeto ANIMALIS?

O Projeto ANIMALIS foi pensado como uma intervenção terapêutica não farmacológica que permitisse reduzir os episódios de agitação psicomotora das pessoas assistidas, ao mesmo tempo que lhes proporcionasse um enriquecimento ambiental, maior dinamismo e estímulo, tanto cognitivo como afetivo. O projeto foi premiado com uma bolsa para a cidadania da Roche em 2024, permitindo a sua implementação, com a contratação dos parceiros da QURA Albarraque e realização da primeira sessão a 14 de novembro de 2024. O financiamento contempla a realização de 40 sessões.

 

A INTERVENÇÃO

Quais os objetivos do projeto e como são medidos os resultados?

Os objetivos definidos para o projeto foram divididos em indicadores quantitativos e qualitativos. Os indicadores quantitativos consistem no registo do número de episódios de agitação psicomotora e número de episódios com necessidade de administração de medicação em SOS (por agitação ou outros motivos, como por exemplo insónia), e comparação desses resultados com o período homólogo do ano anterior. Os indicadores qualitativos consistem no registo das sessões, por dois observadores independentes e presentes em todas as sessões (Enfermeira Nídia Loureiro e Dr. Filipe Silva Carvalho), na extração de informação do diário clínico e de enfermagem que faça menção a reações das pessoas assistidas à intervenção, do feedback dos colaboradores do serviço (Enfermeiros e Ajudantes de enfermaria) e do feedback das famílias. Esta metodologia permite não só medir o impacto real das intervenções, mas também ajustar as estratégias para melhor responder às necessidades de cada pessoa assistida.

Como funcionam as sessões?

As sessões decorrem semanalmente, e consistem numa interação assistida entre as pessoas assistidas e duas cadelas de terapia (Duna e Summer) e as respetivas treinadoras. As participantes foram divididas em grupos de 10, mais restritos, de forma a permitir uma interação próxima e personalizada. Durante cerca de 20 minutos, as pessoas assistidas têm oportunidade de interagir com os cães através de jogos, escovagem, comandos simples ou livremente, com estímulo para o corpo e mente. Nas sessões estão também presentes vários profissionais do serviço: a Enfermeira chefe da unidade, o Psiquiatra assistente responsável pelo projeto e pela unidade, uma ou mais Ajudantes de Enfermaria e frequentemente outros intervenientes, como outros enfermeiros do serviço ou colaboradores diversos, enquanto observadores. Graças ao empenho de todas as partes envolvidas, a dinâmica tem-se mostrado fluída, permitindo uma intervenção regular, sem interferência no normal funcionamento do serviço.

 

DECORRER DO PROJETO E RESULTADOS

Qual é o estado atual?

Volvidos seis meses desde o início do projeto, e com a realização da vigésima sessão (de quarenta previstas) a 8/05/2025, encontramo-nos a meio do caminho.

Os indicadores quantitativos ainda não foram submetidos a análise estatística, mas desde já se parece afigurar que serão pouco informativos, uma vez que o número de pessoas assistidas com episódios de agitação psicomotora é demasiado reduzido (9 a 11 pessoas).

Por outro lado, os indicadores qualitativos parecem ser consistentes ao apurar um grau de satisfação elevado das pessoas assistidas, com maior capacidade de interação, iniciativa, à-vontade e verbalização. Esta melhoria tem-se traduzido numa “escalada” dentro dos grupos, em que várias pessoas assistidas do grupo B passaram a integrar o A (onde a interação é mais diferenciada e variada), que nas últimas sessões tem contado com cerca de 16 participantes; também várias pessoas assistidas do grupo C passaram para o grupo B, com uma evolução na capacidade e interesse na interação; estas modificações resultam num grupo C vestigial, que tem contado com 3-6 participantes nas últimas sessões, levantando novamente a pertinência de dividir as participantes em dois grupos.

Salientamos diversas ações levadas a cabo no grupo A: alimentar e escovar os cães, passear os cães, construção de puzzles em forma de cão, emparelhar pinos e argolas por cor, identificação de emoções em figuras (caras de cão a expressar emoções distintas), sessão fotográfica de Natal, teatro no dia de S. Bento Menni (em que cada utente representava uma figura e reproduzia o som ou diálogo do personagem, quando o mesmo era evocado na história que a terapeuta narrava). Já no grupo B, as ações são mais restritas: escovar o cão, dar biscoitos, fazer festas. No grupo C, a interação limita-se muitas vezes à mobilização passiva por parte de um membro da equipa que promove o contacto da pessoa assistida com o cão, com um grau de satisfação discreto.

Os benefícios observados: sorrisos, tranquilidade e relações humanas:

Com a contextualização prévia, será fácil prever que a evolução é mais notória nas participantes do grupo A, onde temos assistido a verdadeiras transformações. Pessoas que inicialmente se mostravam receosas em relação aos cães, passaram a demonstrar à-vontade, começaram a sorrir, a procurar o toque, a comunicar e a participar mais ativamente nas sessões, muitas vezes de forma surpreendente. Várias pessoas assistidas; algumas pessoas que pouco ou nada comunicavam, demonstram ter aprendido o nome dos cães e antecipam a vinda dos mesmos; algumas demonstram ainda capacidade de entreajuda e incentivam outras na participação.

Nas pessoas assistidas mais dependentes, tem-se verificado sobretudo mais à-vontade na interação e menos agitação, com maior tranquilidade no decorrer da sessão.

Testemunhos que falam por si:

Os relatos das sessões são claros: há um subgrupo de pessoas assistidas que beneficia especialmente desta intervenção, com maior iniciativa, comunicação e expressão afetiva. É especialmente nas participantes do Grupo A em que o impacto positivo da TAA é observado na melhoria do humor e na redução de sintomas ansiosos.

A equipa também transmite o impacto positivo das sessões, que muitas vezes perdura ao longo da semana; o dia da sessão é um momento aguardado por muitas das participantes, que perguntam “hoje vêm os cães?” ou “amanhã é dia?”; outras pessoas assistidas, menos comunicativas, verbalizam o som de um cão ou procuram peluches em forma de cão, existente nas salas de estar da unidade, como manifestação de que recordam a experiência.

 

CONCLUSÕES E PERSPETIVAS FUTURAS:

Inovação com humanidade:

O projeto ANIMALIS é um exemplo de como a inovação clínica em saúde pode ser pensada de forma holística e adaptada às individualidades de cada pessoa.

O impacto positivo da terapia é notório, especialmente no Grupo A, onde as pessoas assistidas demonstram mais envolvimento, satisfação e interação. Tem-se vindo a implementar atividades mais diversificadas e interativas neste grupo, com maior benefício e participação ativa das pessoas assistidas. Este grupo conta com cada vez mais participantes, contando com 16 utentes nas últimas sessões.

No Grupo B, observa-se progressão gradual, com oscilações individuais. As pessoas assistidas mais preservadas e com mais evolução passaram a integrar as atividades do grupo A, e este grupo recebeu as participantes do grupo C com maior capacidade de interação; no geral, nota-se mais à-vontade e tranquilidade nas participantes.

No Grupo C, algumas pessoas assistidas responderam positivamente ao estímulo do toque e interação visual com os cães; várias passaram a integrar o grupo B, o que pode ser entendido como uma evolução na capacidade de interação; por outro lado, a sessão do grupo C acaba por ser limitada a um grupo vestigial de pessoas assistidas (3 a 6) com limitações cognitivas, motoras e sensoriais graves, que recebem o toque de forma mais passiva.

O nosso empenho no futuro:

A evolução passará por rever a divisão das pessoas assistidas pelos grupos, de forma a maximizar os benefícios e melhor adequar o desenrolar das sessões às especificidades de cada participante.

No grupo de pessoas mais autónomas, prevê-se que se possam implementar atividades cada vez mais desafiadoras do ponto de vista cognitivo, estando prevista uma deslocação às instalações da QURA em Albarraque no próximo mês de junho.

Nas pessoas mais dependentes, poderá pensar-se em atividades intermediárias entre observação e participação ativa para algumas participantes, admitindo-se que existirão sempre algumas que só conseguem participar passivamente. Em todo o caso, será fundamental manter o envolvimento da equipa para estimular a continuidade do progresso das intervenientes.

O desafio passará, após o término das 40 sessões, em demonstrar a eficácia desta intervenção e implementar esta atividade como uma rotina semanal, parte integrante e enriquecedora do projeto terapêutico das pessoas assistidas da Unidade 6.

Acreditamos que cada pessoa assistida merece o melhor cuidado possível, não só no tratamento da doença, mas na promoção da felicidade e bem-estar. O projeto ANIMALIS tem sido profundamente satisfatório a esse nível, tanto para as pessoas assistidas como para quem delas cuida.

 

Filipe Silva Carvalho

Médico Psiquiatra

Irmãs Hospitaleiras Lisboa

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