Com o avançar da idade, a prevalência de demência aumenta. Estima-se que o número de pessoas com demência de Alzheimer e outras demências aumente para 82 milhões em 2030 e 152 milhões em 2050 (WHO Fact Sheet, 2019). Retardar e prevenir os quadros demenciais pode basear-se em controlar ou intervir em vários fatores de risco modificáveis, que podem incluir a depressão, diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, hábitos tabágicos, dieta, estimulação cognitiva e inatividade física. De modo similar, a prevalência de depressão também aumenta com o avançar da idade.
A depressão e a demência podem surgir em conjunto ou com uma pequena distância temporal e os limites entre ambas nem sempre são claros. Em particular na idade avançada, a sintomatologia de ambas as condições clínicas pode sobrepor-se, o que pode condicionar o diagnóstico, sendo que várias hipóteses têm sido apontadas para explicar a sua comorbilidade.
A depressão na idade avançada está frequentemente associada a um compromisso cognitivo. Vários substratos fisiopatológicos sobrepostos podem explicar a comorbidade. A depressão pode ser um fator de risco para progressão de uma cognição “normal” para défice cognitivo ligeiro e de défice cognitivo ligeiro para demência. No estudo de Rashidi-Ranjbar et al (2020), cerca de um terço das pessoas idosas com diagnóstico de depressão tem concomitantemente o diagnóstico de défice cognitivo ligeiro, superior quando comparado com a população geral. Também pode ser considerada como uma fase prodrómica de demência, surgindo como sinal do início da deterioração cognitiva. Por outro lado, na demência podem surgir sintomas depressivos, seja por alterações orgânicas ou reação à doença e às suas consequências, assim como, pode haver uma sobreposição de ambas as síndromes.
O termo pseudodemência refere-se à sintomatologia de demência em doentes que na verdade apresentam outra patologia, tratável, como a depressão, e que por isso podem
reverter a “demência”. Assim, a depressão pode “mascarar” uma demência, a demência pode manifestar sintomas de depressão, e a demência e a depressão podem coexistir. As avaliações psiquiátricas e neuropsicológicas podem não diferenciar défices cognitivos reversíveis devido a depressão e um compromisso cognitivo persistente devido a demência.
Possíveis mecanismos etiopatotogénicos e diferentes hipóteses têm sido sugeridas na relação entre depressão e demência, entre elas: a neuroinflamatória, a vascular, a senescência e a amiloide.
Os processos neuroinflamatórios podem ter um papel importante na etiologia da depressão e da demência. A hipótese da neuroinflamação na depressão na idade avançada é sustentada nas respostas imunes associadas com o envelhecer como: produção de citocinas pró-inflamatórias, redução de moléculas anti-inflamatórias, depuração insuficiente de moléculas neurotóxicas, perda neuronal e na diminuição da neurogénese. As citocinas levam à indução de enzimas que reduzem a produção de serotonina, desregulação do sistema glutamatérgico, excitotoxicidade e redução da produção de fatores neurotróficos que são importantes para a neuroplasticidade e neurogénese e stress, afetando as células da glia no córtex pré-frontal e na amígdala. Um aumento da ativação da microglia foi detetado tanto na depressão como na demência de Alzheimer. A citocina anti-inflamatória Fator de Necrose Tumoral-beta1 (TNF-beta1) pode ter um papel importante na formação da memória e plasticidade
sináptica. Défices na via de sinalização TNF-beta1 podem ocorrer na depressão e na demência de Alzheimer. O aumento de marcadores inflamatórios parece estar associado à gravidade da depressão. O tratamento com fármacos antidepressivos poderá contribuir na redução desses marcadores de inflamação, assim como os medicamentos anti-inflamatórios não esteroides podem ter efeitos antidepressivos em pessoas com depressão.
A hipótese vascular sugere que a doença cerebrovascular pode levar a dano cerebral estrutural, particularmente em circuitos fronto-estriados ou fronto-executivos que, por sua vez, levam a disfunção executiva, tanto na depressão quanto nas demências. Vários achados neuroimagiológicos apoiam a hipótese, entre eles, um baixo fluxo sanguíneo nas áreas pré-cúneo, cuneus, nas áreas fronto-cingulado-estriadas, bem como nos lobos temporal, occipital e parietal, um padrão de conectividade funcional em repouso como mencionado na depressão e alterações sugestivas de hiperativação límbica. O aparecimento ou agravamento de uma depressão após o início da doença vascular, o perfil de fatores de risco cerebrovasculares em doentes com depressão e o comprometimento cognitivo dependendo da localização e extensão de uma lesão cerebrovascular, assim como a ausência de resposta à medicação antidepressiva, são argumentos a favor de uma hipótese de “depressão vascular”. No entanto, podem ser argumentos contra a mudança de sintomas depressivos ao longo do tempo e a existência de lesões cerebrais isquémicas que não se associem a gravidade. Além disso, alguns doentes que sofrem lesões cerebrais isquémicas ou hemorrágicas não desenvolvem sintomas depressivos.
O papel do comprimento e encurtamento dos telómeros como um indicador do envelhecimento celular tem sido discutido como um mecanismo na depressão e na demência de Alzheimer. Vários estímulos causam senescência celular e um fenótipo associado à senescência, ou seja, telómeros curtos/disfuncionais, danos no DNA não telomérico, oncogenes/mutações oncogénicas, sinais mitogénicos/de stress, hiperexpressão de inibidores do ciclo celular e instabilidade da cromatina.
A hipótese amiloide tem sido amplamente discutida como causa primária de disfunção sináptica e neurodegeneração na demência de Alzheimer. Vários dados suportam que a toxicidade relacionada ao beta-amiloide pode ter um papel na demência de Alzheimer. A beta-amiloide tem um papel importante na função cerebral, por exemplo, na neurogénese, plasticidade sináptica, memória e sobrevivência neuronal; e uma superprodução de beta-amiloide pode refletir uma forma de plasticidade sináptica para compensar a disfunção neuronal em diferentes tipos de doenças neurológicas e psiquiátricas, incluindo distúrbios cognitivos e afetivos. Em idosos sem comprometimento cognitivo, o aumento da carga amiloide foi relacionado à depressão.
Cada hipótese poderá contribuir de forma independente ou coletiva para a carga de lesão cerebral, menor reserva cognitiva e levar à neurodegeneração e perda cognitiva. A conceptualização de um “modelo de múltiplas vias” e mecanismos associados (alguns fixos, alguns progressivos) pode conduzir a uma heterogeneidade de resultados cognitivos, por exemplo, cognição “normal”, défice cognitivo ligeiro, demência de Alzheimer, demência vascular, demência mista com doença cerebrovascular.
A literatura mostra várias ligações potenciais entre depressão e demência na idade avançada, destacando a complexidade multifatorial de ambas. Deste modo, poderão contribuir para estratégias individualizadas, dependendo de fatores de risco individuais, ou seja, no alcançar de um tratamento individualizado. A procura de literatura sobre a
relação entre depressão e demência pode conduzir a várias interseções com interesse, mas também muitas limitações e desvantagens que não sustentam as respetivas hipóteses. Uma correlação não implica necessariamente uma causalidade. Por outro lado, uma causa com factos implica uma correlação. Tendo essa consideração em mente, os resultados dos estudos correlacionais podem oferecer ideias interessantes para futuras pesquisas ou melhorias diagnósticas e/ou terapêuticas.
Em conclusão, apesar desta área de conhecimento necessitar de investigação adicional, existe uma relação entre depressão e demência, e como tal qualquer doente em idade avançada que se apresente com sintomatologia depressiva deverá ser avaliado e acompanhado, facilitando a deteção precoce de sinais de aparecimento de uma eventual demência.
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