Em pleno século XXI viver com uma doença mental ainda não é um percurso fácil. A nossa sociedade, apesar de ser bastante vanguardista relativamente aos cuidados de saúde, apresenta um alto índice de estigma perante a pessoa com doença mental, bem como um défice no que se refere ao acompanhamento que lhe pode ser disponibilizado.
A pessoa com doença mental confronta-se, muitas vezes, com o medo e os preconceitos dos outros, baseados frequentemente em equívocos sobre a doença mental. A estigmatização aumenta o sofrimento pessoal, a exclusão social e pode impedir o acesso à habitação e ao emprego. Pode até dissuadir a pessoa de procurar ajuda por medo de ser “rotulada”. Desta forma, torna-se essencial sensibilizar a opinião pública para a doença mental, divulgar as diversas opções terapêuticas e promover a integração da pessoa com doença mental na vida ativa, contribuindo para uma maior aceitação e compreensão por parte da sociedade. Com base na importância da construção de serviços especializados de proximidade para o tratamento da doença mental que promovam a redução do estigma e aumentem a inclusão social da pessoa com doença mental, em 2009 é criada, pela Casa de Saúde do Bom Jesus – Irmãs Hospitaleiras, a equipa ConSentido – Unidade Móvel de Apoio Domiciliário Integrado, com atuação no concelho de Braga, atualmente na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental. O objetivo geral consiste em prestar cuidados na área da saúde mental e psiquiatria, em contexto domiciliário, à pessoa com doença mental grave e aos seus cuidadores, em estreita colaboração com os mais diversificados stakeholders da comunidade. Enquanto equipa temos potenciado o recovery dos nossos utentes, com resultados que revelam um impacto positivo nas várias esferas de vida, traduzidos num maior período de estabilidade clínica, redução de episódios de recaída e redução de internamentos, o que têm, sem dúvida, reflexo na qualidade de vida, bem como a nível de custos com os tratamentos.
O conceito de recovery tem sido descrito como um estado de recuperação de funções psíquicas, físicas e sociais no funcionamento diário do indivíduo (Baccari, Campos, & Stefanello, 2015). Este conceito ultrapassa as ideias de cura e de remissão de sintomas, visando essencialmente o tratamento do sofrimento mental com foco na recuperação da esperança e melhoria da qualidade de vida, para que a pessoa com doença mental possa sentir-se criadora do seu caminho. O recovery envolve igualmente uma dimensão social e ocorre através das relações interpessoais, pelo que o apoio da família, amigos, vizinhos e colegas de trabalho se demonstra uma fonte importante de suporte e de interdependência, bem como o acesso a recursos sociais, como a habitação, o rendimento, o emprego e a educação serem fundamentais para ultrapassar o paradigma que todo este processo envolve.
A realidade portuguesa e também a internacional pedem que sejam desenvolvidos maiores impulsos em relação ao desenvolvimento de serviços de acompanhamento durante o processo de recovery. Em Portugal tem havido um aumento preocupante das perturbações de humor, ansiedade e demências. Também têm crescido o consumo de psicofármacos, sobretudo por parte de crianças e adolescentes, o que denota a real importância de existirem serviços disponíveis para acompanhamento, com a proximidade e a regularidade necessária, com programas de intervenção comunitária, onde é fundamental que exista um trabalho multidisciplinar, respeitando a relação, motivação, e comunicação, para que os objetivos dos programas de reabilitação de cada pessoa possam ser concretizados, na medida em que a expectativa em relação ao futuro e a determinação pessoal possa vencer o estigma e se concretize o fortalecimento de relações sociais.
Quando quiser fazer a diferença na vida de alguém lembre-se: seja colaborador e facilitador ativo desta experiência de recovery, que se apresenta como um desafio diário, e um processo de autodescoberta e transformação pessoal.
Diana Cachada
Enfermeira Especialista de Saúde Mental e Psiquiatria