Ao longo de algumas dezenas de anos no exercício da medicina como psiquiatra, quando reflicto sobre os sucessos e sobretudo sobre os insucessos vividos na experiência profissional e discuto com colegas as dúvidas, tento apurar a melhor forma de ouvir a pessoa doente, sinto que é a melhor forma de construir um conhecimento que, sendo sempre incompleto, não o vou encontrar nos livros que leio e muito menos em qualquer motor de busca da NET.
Com este caminho percorrido, também quero acreditar que a sociedade em geral tenha hoje uma visão mais inteligente sobre a doença mental, para dar o salto mais importante para se tratar adequadamente esta doença e assim ultrapassar o maior obstáculo ao tratamento da pessoa que sofre de doença mental: a decisão da pessoa de pedir ajuda acertada e no tempo certo.
Actualmente, para as pessoas com doença mental que necessitam de cuidados médicos especializados e suas famílias, podemos contar com mais e melhor informação, um conhecimento mais rigoroso, mais e melhores fármacos e por parte da sociedade que em geral está paulatinamente a olhar a doença mental de um modo mais esclarecido e por isso menos preconceituoso e estigmatizante (queremos acreditar), uma percepção que será certamente um facilitador da procura precoce dos referidos cuidados de saúde.
Olhando para o meu percurso profissional já calcorreado no tratamento da pessoa com doença mental, reconhecemos igualmente os ganhos significativos que os fármacos e o seu correcto manejo nos trouxeram para o processo terapêutico. Porém, identificamos de um modo inequívoco, que há um outro “medicamento” fundamental em medicina, que nos está a ser cada vez mais sonegado e que se chama TEMPO necessário e suficiente.
Tempo para o médico atender as queixas verbalizadas e as não verbalizadas mas percepcionadas, Tempo para as clarificar, Tempo para as integrar num todo e sobretudo, Tempo para a pessoa sentir que está a ser ouvida, ou seja o Tempo para se criar as condições indispensáveis para a construção da relação de confiança necessária para que o processo seja terapêutico.
A correcta prescrição deste “medicamento”, associado á disponibilidade interna de quem escuta, é um facilitador para se conseguir um maior rigor no diagnostico, apercebermo-nos do sentir da pessoa, daquilo que nos trás como sendo para ela o mais importante, clarificar o que foi dito e o não foi dito mas foi percebido e deste modo medicamente intervir na dimensão ajustada ao entendimento da queixa sempre integrada num todo.
Com este vínculo criado com o Tempo necessário e suficiente na maioria das vezes, a pessoa doente não só vai aceitar como sua, a indicação terapêutica do médico, como também vai levar consigo menos dúvidas, a confiança que a coloca em situação de vantagem e um sentimento de que “.. fui ouvida logo o médico percebeu e por isso confio na proposta…” o que facilita o processo terapêutico e todos ficamos a ganhar o que nos queixamos a toda a hora que não temos… Tempo.
Quando isto não acontece corremos o risco de estarmos a diagnosticar de um modo incompleto ou mal, de medicar em falta ou em excesso, de solicitar exames desnecessários porque nos focamos apenas no sintoma/queixa ou na crise no contexto de uma doença crónica agudizada e não no tratamento da pessoa com uma possível doença.
Isto é especialmente crítico quando estamos em consulta de psiquiatria em que o Tempo necessário e suficiente, será aquele em que nos colocamos com a disponibilidade para observar, ouvir, clarificar, aprofundar algumas questões que foram colocadas, compreender melhor, prescrever o necessário e suficiente, eventualmente com mais eficácia e deste modo que aumentar a probabilidade de se obter os resultados que ambas as partes esperam e que esteja ao nosso alcance.
Este “medicamento” que reclamamos, parece quase obsoleto e em contraciclo, num tempo de velocidade digital em que a todo o momento nos querem fazer sentir que apenas tudo, estará ao alcance de um “clik”. Sentimos este sufoco quando a toda a hora ouvimos, dizemos e sentimos que …”não tenho tempo..” ou “se eu tivesse tempo..” ou “tempo é dinheiro…” ou “o tempo está a esgotar-se..”…”não há tempo…” etc.
É nesta perspectiva frequentemente divergente que o gestor, no seu pensamento focado na melhor forma de obter os números e os resultados para conseguir as metas preestabelecidos, se posiciona numa atitude que pode conflituar com o profissional de saúde. Para este, atingir as metas significa, centrado nas necessidades diagnosticadas na pessoa doente e pela mesma igualmente reconhecidas, ter conseguido os melhores resultados alcançáveis.
Nas unidades de saúde (públicas ou privadas) em que os profissionais, com as condições que tem, frequentemente condicionados com consultas de 15 minutos(!) e os resultados que obtém, muitas vezes farão “magia”. Esta pressão dos números sobre as consultas, cirurgias, exames etc., que se tornam regularmete manchete na abertura dos telejornais ou nos jornais, perverte este princípio de que ter o Tempo necessário e suficiente é poupar …várias coisas entre elas dinheiro.
Esta dimensão Tempo necessário e suficiente, não sendo exclusiva no acto médico, é transversal e crucial em todas as relações que estabelecemos e que queremos que sejam de confiança, pois só com o dito Tempo necessário e suficiente é que conseguimos (se estivermos internamente disponíveis) ouvir, compreender e então sim, conseguir melhores resultados.
Com este “medicamento” chamado Tempo necessário e suficiente no acto médico, estamos certos de que diagnosticarmos melhor o que permite medicar com mais rigor, provavelmente medicamos menos, somos mais criteriosos nos exames que pedimos e com maior probabilidade vamos mais ao encontro dos resultados desejados e expectáveis por todas as partes e para cada situação: tratar a pessoa doente, reduzir o sofrimento de quem nos procura ao disponibilizar o que ela o que verdadeiramente necessita, sempre dentro do que está ao alcance em cada situação clínica.
Lurdes Santos
Assessora Clínica do IIHSCJ
Chefe de Serviço de Psiquiatria
Lisboa 28 de Junho 2024
Nota – este texto não foi gerado pela Inteligência Artificial mas sim do vivido no exercício da medicina e do muito que os doentes me foram ensinando.