Não sei bem por onde começar quando recordo os verões da minha infância. São tantas as histórias por contar, memórias de outros tempos, gravadas para sempre pela força dos laços que criámos. Os verões pareciam intermináveis, passados na casa dos meus avós, na Ilha Graciosa. Curioso como, naquele lugar onde viviam, o tempo parecia ter congelado; nas “Pedras Brancas”, nada mudava. No entanto, mesmo com a minha inocência de criança, sentia que algo se transformava naquele sítio onde o tempo congelava as tradições. Sem percebermos, a pandemia silenciosa já se espalhava, insidiosa.
A minha avó, “Mariazinha”, era uma mulher muito especial. Com o tempo, ela começou a esquecer-se daqueles que mais amava. Nos verões seguintes, lembro-me de pensar como era divertido cantar para ela, porque ela repetia comigo as letras e refrões. Ao longo dos anos, testemunhei o meu pai a dedicar-se cada vez mais a minha avó, enfrentando as dificuldades que surgiam quando ela deambulava pela casa ou ficava desorientada. Muitas vezes, esperava com entusiasmo a hora das refeições, guardando na memória os cheiros e as cores de outros tempos, à espera do momento em que eu teria a tarefa de a alimentar. Sentia-me feliz ao vê-la sorrir. Mas, ao olhar para os seus olhos, agora vazios, procurava incessantemente pela minha avó. Já não cantava, restava o silêncio.
Atualmente, enquanto psicóloga vejo muitas “Mariazinhas”, e revejo em cada uma delas uma mulher especial. São histórias que elas já esqueceram, mas que nós continuamos a relembrar. Falamos de um dos maiores desafios sócio sanitários e científicos dos nossos tempos: a Doença de Alzheimer (DA).
A Doença de Alzheimer afeta cada pessoa de forma diferente, e os sinais e sintomas na fase inicial muitas vezes passam despercebidos, uma vez que o início é gradual e o processo permanece silencioso durante longos anos. As tendências demográficas fazem dela a epidemia do seculo XXI, “É uma pandemia silenciosa”, como lhe chamou Shekhar Saxena, diretor do Departamento de Saúde Mental da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os sinais e sintomas mais comuns nas fases iniciais da doença consistem, normalmente, numa tendência para o esquecimento, perda da noção do tempo ou desorientação espacial, mesmo em locais familiares. À medida que a demência progride, os sintomas tornam-se mais evidentes e limitantes.
Nesta fase, as pessoas afetadas começam a esquecer acontecimentos recentes, assim como os nomes de familiares; sentem-se deslocadas na própria casa; perdem fluência na linguagem e têm cada vez mais dificuldade em comunicar; começam a necessitar de ajuda constante nas atividades diárias, cuidados de higiene e autocuidados; e sofrem alterações comportamentais, como vaguear pela casa ou repetir as mesmas perguntas. A diminuição da função cognitiva é frequentemente acompanhada por uma redução no controlo emocional, nas interações sociais e na motivação.
Nas fases mais avançadas da doença, a incapacidade é profunda e o paciente não consegue cuidar de si próprio, tornando-se quase totalmente dependente e inativo. As perturbações da memória são graves e os sintomas físicos tornam-se mais evidentes: desorientação crescente no tempo e no espaço; dificuldade em reconhecer familiares e amigos; perda da fala; dependência cada vez maior para os cuidados pessoais; dificuldade em andar; e perturbações do comportamento que podem agravar-se.
Estas doenças podem ser devastadoras não apenas para os indivíduos que as sofrem, mas também para os seus cuidadores e familiares. Além disso, frequentemente há uma falta de sensibilização e compreensão sobre estas patologias, o que pode resultar na estigmatização dos doentes e dificultar a procura de serviços de diagnóstico e cuidados adequados.
Embora já tenha passado mais de um século desde que o psiquiatra alemão Alois Alzheimer descreveu a doença que levaria o seu nome, a maior parte do que sabemos atualmente sobre a sua origem e mecanismos foi descoberta nos últimos vinte e cinco anos.
A investigação nos últimos anos permitiu um diagnóstico mais preciso da doença de Alzheimer, em fases cada vez mais precoces, o que é essencial para a tomada de decisões médicas e pessoais. No entanto, atualmente, o diagnostico definitivo só é possível através da análise neuropatológica do cérebro post mortem, após a autópsia, para determinar a presença de placas senis e emaranhados neurofibrilares.
O diagnóstico de Alzheimer é complexo e baseia-se, inicialmente, na exclusão, o mais cedo possível, de outras patologias que possam estar a causar ou a contribuir para a progressão dos sintomas, como sinais de acidentes vasculares cerebrais anteriores, depressão e outros tipos de demência. Isto é particularmente importante se tivermos em conta que estamos a falar de uma população que frequentemente apresenta outras patologias, relacionadas ou não com a idade, e que muitas vezes está sujeita a vários tratamentos farmacológicos simultâneos.
Muitas pessoas já se questionaram se a doença de Alzheimer é hereditária, ou seja, se é transmitida de pais para filhos. Do ponto de vista genético, esta patologia classifica-se em dois tipos. A grande maioria dos doentes não tem antecedentes familiares da doença, mas cerca de 1% sofre de uma variante hereditária conhecida como Alzheimer familiar, que se manifesta em pessoas com menos de 60-65 anos, geralmente por volta dos 50 anos. De facto, muito do que a ciência aprendeu nas últimas duas ou três décadas sobre as causas da doença de Alzheimer resulta de descobertas no campo da genética.
O envelhecimento continua a ser um dos maiores desafios para as sociedades modernas. Para garantir uma vida ativa e gratificante para as pessoas idosas, precisamos de estratégias eficazes que promovam a saúde e bem-estar nas fases mais avançadas da vida. A questão que se coloca é o que significa envelhecer no nosso mundo e na nossa época. Há uma tendência para limitar o fenómeno do envelhecimento ao domínio da medicina. No entanto, isso é redutor, pois envelhecer não é uma doença, embora frequentemente venha acompanhado de outras condições e enfermidades.
Em homenagem. À Mariazinha, a minha avó.
Mariana Correia
Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde
C.P.nº 11693
Irmãs Hospitaleiras Angra do Heroísmo
Casa de Saúde do Espírito Santo