Seja na promoção, seja na intervenção precoce, apesar de tudo há oportunidades preventivas que se podem implementar.
David Landes (1924-2013), um reputado historiador de economia, afirmava no seu célebre livro “A pobreza e riqueza das nações”, que a descoberta do algodão foi uma das principais descobertas da humanidade para a diminuição da mortalidade (sobretudo infantil) nos países com Inverno.
Na verdade, a maioria da população desses países no período medieval só tinha acesso a vestir-se com roupas de lã no Inverno, sujeitando a sua pele à aspereza da lã, o que determinava feridas dérmicas ao mesmo tempo em contacto com os microorganismos que a pouca higiene dos tempos passados aumentava em número e virulência. Milhões de pessoas morriam com infecções na pele, sobretudo crianças. O algodão suave e macio veio proporcionar à pele a saúde que a lã não conferia.
Todos conhecemos hoje os benefícios da vacinação em doenças como a varíola e poliomielite que no passado mataram ou estropiaram milhões de pessoas. Nestes casos a antecipação de medidas preventivas permitiu a erradicação de doenças.
Por outro lado, é conhecido o benefício que o controlo da hipertensão e do nível do colesterol tem tido na progressão e desfecho das doenças cardíacas e cérebro-vasculares, com o consequente aumento da esperança média de vida nos países mais avançados.
No fundo, o progresso socio-económico com melhoria das condições de vida e higiene, o conhecimento da causa primeira das doenças e o subsequente desenvolvimento de vacinas e o controlo dos factores de risco como hipertensão ou diabetes têm constituído formas significativas de melhoria da saúde geral das populações, erradicação de algumas doenças, controlo dos factores patogénicos de muitas outras, prolongamento do tempo de vida e sem dúvida melhoria da qualidade de vida.
Em psiquiatria e saúde mental, a complexidade dos factores envolvidos que podem contribuir para o desencadear de patologia mental é de tal natureza que não é possível isolá-los com a mesma facilidade que os atrás referidos, como por exemplo, no domínio cardiovascular.
Há factores de natureza biológica, psicológica, familiar, social, cultural, económica, e até política. Só ao nível biológico podemos citar factores genéticos, neuro-químicos, neurofisiológicos, anatómicos, que isoladamente, interagindo entre si ou com outros factores, configuram uma autêntica babilónia de variáveis. Por outro, quando se conseguem isolar factores que possam contribuir para uma Perturbação Psiquiátrica, pode acontecer a impossibilidade de intervir (por exemplo nos factores genéticos).
Mais ainda, quando percebemos que uma medida de prevenção passa pela mudança de um comportamento, poderemos ter de enfrentar, ingloriamente, a dificuldade de se mudarem comportamentos (por exemplo: consumo de canabinóides).
Na verdade, as Perturbações Psiquiátricas são multideterminadas e multicausais. A sua evolução é muito variável e a expressão sintomatológica é polimórfica (2 pessoas com a mesma perturbação apresentam sintomas diferentes).
Finalmente, a nossa ignorância do funcionamento cerebral e mental também não ajuda nesta tarefa.
Então o que fazer? Baixar os braços e desistir ou tentar, dentro do que se sabe e pode operacionalizar, avançar com medidas concretas?
É neste último âmbito que se deve agir. Desde logo, na batalha da política pura e das políticas sociais, para gerar e melhorar a sociedade no sentido da harmonia, respeito, liberdade, justiça e igualdade de oportunidades. Tentar que na família, na escola e no trabalho se procure atingir a dignidade de cada ser humano. Promover hábitos gerais de vida saudável na higiene e na alimentação, alertando para os abusos e dependências de toda a natureza.
A outro nível de intervenção e dentro do que se sabe, agir o mais rápido e precocemente possível nas Perturbações Psiquiátricas logo que se desencadeiem, melhorando assim a sua evolução e prognóstico como por exemplo tratando a Depressão para poder prevenir uma parte importante de actos suicidários ou intervindo precocemente na Esquizofrenia para evitar uma evolução mais incapacitante no futuro.
Seja na promoção, seja na intervenção precoce, apesar de tudo há oportunidades preventivas que se podem implementar.
Por último e não menos importante, sendo a doença mental muito estigmatizada, com um imaginário colectivo pouco esclarecido face à sua natureza deverá exigir dos meios de comunicação social uma postura que procure menos o escândalo e o alarme social e mais uma postura pedagógica e educativa. Neste sentido, os media poderão ajudar também nas tarefas de prevenção e promoção da saúde.
Não podendo atingir um patamar preventivo conseguido na patologia somática, até pela impossibilidade de prevenir causalmente, a prevenção em saúde mental é uma realidade que seguramente poderá vir a ser expandida no futuro. Contudo, pela complexidade desta mesma realidade a prevenção em saúde mental não deverá criar expectativas indevidas sob o risco de ser mitificada.
Dr. Pedro Varandas
Psiquiatra
Diretor Clínico das Irmãs Hospitaleiras Lisboa
Artigo publicado na revista Visão