Os Transtornos do Comportamento Alimentar (TCA) representam um desafio crescente na saúde mental, afetando profundamente a qualidade de vida de quem os enfrenta. Em resposta a esta necessidade, as Irmãs Hospitaleiras têm vindo a desenvolver soluções inovadoras, como o projeto Projeto RIPA – Resposta Integrada para as Perturbações Alimentares das Irmãs Hospitaleiras Lisboa, uma resposta pioneira em Portugal para o tratamento especializado destes transtornos. O projeto RIPA é um Hospital de dia para Doenças do Comportamento Alimentar, que integra num contexto ambulatório diário, intervenções multidisciplinares de natureza médica, psicológica, nutricional e ocupacional variada.  O seu objetivo é melhorar e reabilitar a doença subjacente, em particular no que respeita à relação da pessoa com o seu corpo, com a alimentação, com a família e a vida em geral, na procura de equilíbrio e bem-estar interrompidos pela doença. Agora, reforçando este compromisso, a Fundació Hospitalàries Martorell inaugurou uma nova unidade de alta complexidade para o tratamento dos TCA, com um modelo inovador e multidisciplinar centrado na pessoa e no acompanhamento da cronicidade da doença.

 

Qual foi a principal motivação para criar esta nova unidade de TCA de alta complexidade na Fundació Hospitalàries Martorell?

Nos últimos anos, e em particular após a pandemia de COVID-19, o Departamento de Saúde da Generalitat da Catalunha identificou um aumento significativo dos casos de TCA, tornando-se uma das patologias mais prevalentes nos Centros de Saúde Mental (CSM), tanto em crianças e jovens como em adultos.

Perante esta realidade, foi desenvolvido um plano de ação e melhoria no tratamento dos TCA, com base nas recomendações da Comissão de Especialistas do Conselho Consultivo de Saúde Mental e Adições. O objetivo deste plano é a implementação de um modelo assistencial escalonado, ajustando os tratamentos à gravidade clínica e psicossocial de cada caso. A nova unidade da Fundació Hospitalàries Martorell posiciona-se no terceiro nível deste modelo, juntamente com as Unidades de Internamento de Agudos para TCA.

A colaboração já existente entre a UTCA do Hospital Universitari de Bellvitge e os Centros de Saúde Mental da Fundació Hospitalàries Martorell, iniciada com um acordo estratégico em 2019, criou as bases para este novo projeto. O apoio do Departamento de Saúde, através do Plano Diretor de Saúde Mental e Adições e do CatSalut, aliado à disponibilidade de um novo edifício assistencial no Hospital, permitiu tornar esta unidade uma realidade.

Quais as principais diferenças entre esta unidade e outras já existentes para o tratamento dos TCA em adultos?

As unidades de subagudos para TCA são ainda pouco comuns, tanto a nível nacional como internacional. Diferentemente das unidades de hospitalização tradicionais, onde os pacientes partilham o espaço com outros casos de saúde mental, aqui o foco principal é a recuperação integral e personalizada.

Na Unidade Integral de Recuperação, destaca-se o trabalho em grupo com pessoas que vivem a mesma realidade, promovendo um ambiente terapêutico de compreensão e apoio mútuo. Além disso, o acompanhamento próximo da equipa de enfermagem durante as refeições, proporcionando um suporte contínuo e empático, é um dos aspetos diferenciais deste modelo.

Como tem sido a colaboração com o Hospital Universitari de Bellvitge e de que forma esta parceria beneficia o tratamento?

A Fundació Hospitalàries aporta a sua vasta experiência em hospitalização e saúde mental, enquanto o Hospital Universitari de Bellvitge contribui com o seu conhecimento especializado no tratamento dos TCA. Esta colaboração tem sido estruturada a partir do trabalho conjunto dos profissionais de ambas as instituições e de reuniões estratégicas entre as equipas hospitalares.

Que tipo de pacientes são acompanhados nesta unidade e quais os critérios para o internamento?

A unidade acolhe adultos com um diagnóstico de TCA de longa evolução, como Anorexia Nervosa ou OSFED (Transtorno Alimentar Não Especificado), que já passaram por tratamentos prévios em unidades especializadas, mas cuja recuperação estagnou.

Os critérios de internamento incluem:
Ter realizado outros tratamentos na UTCA (Hospital de Dia, Internamento Hospitalar, Tratamento Ambulatorial, etc.);
Apresentar uma evolução complexa e resistência à recuperação;
Viver com o transtorno há vários anos, com impacto na sua funcionalidade e qualidade de vida.

Sendo uma unidade especializada na cronicidade, como se aborda o tratamento de pacientes com mais de 10 anos de transtorno?

O envolvimento voluntário e ativo do paciente no seu tratamento é essencial. Muitos destes pacientes perderam a esperança na recuperação e vivem em isolamento social, com um histórico de tratamentos focados exclusivamente na recuperação de peso e na aceitação da imagem corporal.

Aqui, o tratamento é abordado de forma não coerciva, colocando a alimentação e o peso em segundo plano. O programa terapêutico, com internamento entre 3 a 4 meses, foca-se em aspetos motivacionais, individuais e familiares, permitindo um processo de recuperação mais profundo e sustentável.

Quais os principais desafios na recuperação destes pacientes e como são enfrentados pela equipa multidisciplinar?

O primeiro passo do internamento inclui um acordo terapêutico, no qual se clarificam os objetivos a alcançar, sempre em sintonia com a equipa da UTCA que acompanha o paciente.

Cada paciente assume um papel ativo no seu processo, participando na construção do seu plano terapêutico. O ambiente semiaberto da unidade, ao não centrar-se exclusivamente na alimentação e no peso, permite que a pessoa aceite melhor a ajuda necessária para recuperar a sua funcionalidade e enfrentar os seus medos.

Que tipos de terapias e abordagens inovadoras são aplicadas para melhorar os resultados do tratamento?

O programa terapêutico desenvolve-se em três fases:
Fase I – Adaptação à unidade, definição de objetivos e trabalho motivacional;
Fase II – Foco no empoderamento, aprofundamento de aspetos individuais e terapia familiar intensiva, incluindo a Family Meal (refeição com a família e terapeuta para análise das dinâmicas familiares);
Fase III – Reforço da funcionalidade social e qualidade de vida, preparando o regresso à comunidade e à UTCA de referência.

Entre as terapias inovadoras destacam-se:
Mindfulness diário antes do pequeno-almoço, promovendo a conexão com o presente;
Workshops de culinária, ajudando a recuperar autonomia e superar medos alimentares;
Atividades de voluntariado noutras unidades do hospital, incentivando a reintegração social e o sentimento de utilidade;
Fisioterapia diária, melhorando a condição física e promovendo relaxamento e equilíbrio;
Terapias expressivas e ocupacionais, integrando arte, lazer e psicoeducação no processo terapêutico.

Um dos aspetos mais inovadores é o conceito de “alimentação responsável”, onde, numa fase avançada do tratamento, o paciente ganha autonomia para escolher a quantidade e os tipos de alimentos, aprendendo a reconhecer sinais de fome e saciedade.

Que impacto se espera a longo prazo na recuperação dos pacientes e na redução da mortalidade por TCA?

Os primeiros meses de funcionamento da unidade já demonstram um impacto positivo, especialmente em pacientes que haviam perdido a esperança na recuperação. Além da melhoria na autoestima e na consciência da doença, observa-se um aumento da capacidade de enfrentar desafios pessoais, familiares e sociais.

Os primeiros dados psicométricos indicam uma melhoria significativa na qualidade de vida e uma redução dos sintomas clínicos, contribuindo para a diminuição da taxa de mortalidade associada aos TCA – a mais elevada entre os transtornos psiquiátricos e cinco vezes superior à da população geral.

Como a visão hospitaleira influencia este modelo de tratamento?

Este é um modelo centrado na pessoa, no vínculo terapêutico e na personalização do tratamento. O processo de pré-alta inclui um trabalho essencial da assistente social, ajudando o paciente a reconectar-se com projetos de vida que tinha abandonado devido à doença, promovendo uma transição gradual e sustentável para a realidade fora do hospital.

Desta forma, a hospitalidade torna-se mais do que um cuidado: é um caminho de recuperação integral, promovendo a dignidade e a esperança em cada pessoa que acolhemos. 💙

Além desta unidade, as Irmãs Hospitaleiras em Portugal já tinham desenvolvido uma unidade pioneira: o RIPA . Para saber mais sobre este projeto: RIPA – Saiba mais.

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